segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

 Hoje, pela primeira vez, de forma completamente devastadora, senti o peso da idade. Senti que não posso mais sonhar. Que o tempo estava se esgotando para mim. Portanto, não posso me dar ao luxo de criar planos mirabolantes que vão me salvar da minha realidade. Hábito que cultivo desde a infância. Senti vontade de correr, sair, escapar. Mas, não de um jeito que reflete covardia através da fuga. De um jeito que me vi sendo espremida e me soltar seria me libertar dessas correntes. Uma sensação pesada demais, confusa, que faz as sobrancelhas arquearem involuntariamente e a boca serrar e os olhos paralisarem. Não ter controle é uma morte terrível. Acho que estou muito cansada. 


sábado, 28 de novembro de 2020

Finados

 Não vou dizer que cheguei ao limite, porque estou há tanto tempo me sentindo pressionada de tantas maneiras, que não sei mais quando foram ultrapassadas minhas próprias barreiras. Só percebo a materialização dessa dor quando ela se transforma em hematomas, que colorem o meu corpo com disfuncionalidades, aflições súbitas e um inflacionado desespero que me faz querer correr sem saber pra onde. E, então, me paralisa, me fazendo questionar se existe algum lugar. Aonde eu caiba confortavelmente. Aonde não hajam circunstâncias que tentem me tirar à força repetidamente. E tudo isso, que dura meses, não passa de um sofrimento silencioso, verbalizado inúmeras vezes, mas silenciado. Deste modo, sigo enfrentando os dias, esperando que eles terminem logo, enquanto negligencio parte de mim, parte do meu ser. Às vezes me pego flertando com o nada, como se fosse possível extrair algo dali. Como se houvesse além no vazio. E me esvazio, cavando esperanças em água mole. Me agonizo, ao ponto de que nem as metáforas me agradam mais, são expurgadas e muitas vezes sem forma. Gostaria de concretude, não me vislumbra a poética aonde não enxergo mais poesia. Ainda desejo muito além de sobrevida. Ainda desejo. Mas, não me vejo forte, pois estou exausta. Pedindo socorro ou, no mínimo, calmaria. Aonde o silêncio seja escolha e não regra para calar nosso âmago. E, a partir disso, talvez eu consiga me levantar. Talvez consiga enxergar amenidade onde tudo é turbulento. Talvez a água não se torne gelo, talvez ela flua como num rio aonde não se entra duas vezes. Talvez se for para findar, que seja o que não me atenua, não a minha própria existência. 

domingo, 2 de agosto de 2020

Letargia

Queria abrir os olhos e acordar deste pesadelo
Queria que tudo isso não passasse de uma ilusão
Que as pessoas pudessem voltar a sorrir e se abraçar
Que eu voltasse a sorrir

Queria que, apesar de tudo, o mundo fosse justo
Queria que a vida fosse um direito de todas e todos
Que as pessoas pudessem sonhar e conquistar
Que eu voltasse a sonhar

Queria que a esperança continuasse presente
Queria que fosse questão de tempo para dias melhores
Que as pessoas apenas tivessem paciência e perseverança
Que eu tivesse esperança

Queria que ninguém se sentisse aprisionado
Queria que eu não me sentisse como se não fosse sobreviver
Que as pessoas pudessem acreditar que o amanhã há de ser melhor
Que eu eu pudesse acreditar

Queria não ter que brigar e suplicar por cuidado
Queria que o ódio não fosse combustível da conversa\
Que ele fosse cuidadoso e se importasse
Que eu ainda me importasse

Queria tantas coisas, mas ao mesmo tempo, apenas queria não sentir nada. Queria esta dor acabasse antes que eu tivesse coragem de tentar acabar com ela com as minhas próprias mãos. Que eu não flertasse com a ideia de morrer antes de saber se existe vida ainda.

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Eu pra mim é pouco

Neste corpo que me compreende, não me encontro

Adquiri um peso que meus ombros não podem carregar

Os dias passam como meses, e eu não os percebo

Oscilo entre manhãs nubladas e tempestades noturnas

Sem meio termo, com o copo meio vazio

Temo que este recipiente não irá suportar mais

Noto que dias ensolarados borraram na memória

Restando um gosto amargo que arde o estômago

E traz o invólucro a tona, febril e oco

Não reconheço o reflexo, como se me fosse tomado

O corpo não é meu, nem do Estado, é de outrem

Não o controlo, mas sinto todas as suas dores

Gostaria de não sentir, mas não cabe mais a mim escolher

Queria ser universo, mas mal caibo numa agulha

Sou nada, invisível e alienígena

Fui muito, intangível e insaciável

Fui

Sou

Quero

Ainda

Eu pra mim é pouco.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Não vamos sobreviver a esta pandemia

Por muito tempo reclamei da sensação de abandono sabendo que não se tratava apenas de algo que eu sentia involuntariamente. Pois sabia que sua falta de tato jamais seria resolvida com uma massagem de 5 minutos sobre a ferida já aberta. Hoje, um ano, quase dois anos depois, volto a sentir com mais intensidade as marcas sangrarem. Assim como o sentimento de infelicidade se renovou. Te odeio. Por me fazer lembrar do que meu pai já causou em minha mãe. Por ver você reproduzindo comportamentos muito parecidos, mesmo sendo de gerações diferentes, tendo vidas diferentes. Mas meu pai não consigo odiar, pelo menos não sem o sentimento de culpa acompanhado. Ele é meu pai e não o escolhi, mas já vivemos tanto juntos e ele já foi pai em tantos momentos, que não há como deixar a raiva aumentar. Ele é um senhor de suas dores, incompreendido em meio de mulheres que não o ouvem, pois ele nunca tentou falar enquanto elas carregavam o fardo de seu silêncio. Mas você, você fala e fala demasiado. Você eu escolhi, em você acreditei e depositei expectativas e confiança, deixei meus pais acreditando que sua parceria iria somar, mas me vejo cada vez mais necessitando de muletas para me apoiar. Meus passos são pesados e manco, pois carrego um peso maior do que consigo aguentar. Meus ombros doem, minha coluna não me suporta e meus ventres choram os mal tratos. Me olho no espelho e não me reconheço para além de minhas frustrações, e das olheiras que denotam sofrimento e me dão mais idade do que tenho. Não consigo te perdoar, não somente por quando me negou ajuda, mas por não notar que ainda preciso e ignorar e mentir, todos os dias, dizendo que posso contar contigo. Diz não me entender, diz me amar, diz que tudo vai ficar bem e em apenas em momento de suplício tenta mostrar preocupação. Mas, ora, se tudo evidencia que você não se preocupa com nada além dos seus próprios desejos. Por que devo acreditar? Como vou voltar a confiar? Não fui contaminada, mas me sinto vítima da doença e, a cada dia, adoeço mais. Choro lembrando do porquê parei de acreditar em deus - e não foi quando me assumi ateia há poucos anos, foi uma soma de quando todas as vezes chorei e nunca fui ouvida. Todas as noites que passei em claro pedindo por compaixão, todas as vezes que sofri com o trabalho e tentei acreditar que não estava destinada a só trabalhar exaustivamente a minha vida inteira. Todas as vezes que pedi para cuidar de minha família, das doenças e do mal chamado estresse que sempre existiu entre nós. Nunca fui atendida. E hoje me lembrei de quantas vezes já chorei desesperadamente procurando uma luz ou uma trégua. E o que ganhei foi a tua incompreensão, me joguei no chão e meu ovário começou a arder num súbito continuo mal que atravessa meu corpo fazendo minha lombar queimar como se fosse para me lembrar de que sou humana. E que como sempre na minha vida, a felicidade é tão sublime e breve que é incapaz de me fazer acreditar que bons momentos podem perdurar. Tudo é passageiro, assim como os motivos para sorrir e amar. E tudo o que é ruim fica e dura tempo demais e suficiente para me fazer acreditar que não tem mais jeito.

domingo, 19 de abril de 2020

Eu, frágil eu

Faz um ano que parei de escrever aqui. Não sei dizer porquê exatamente, mas posso chutar. Talvez porque achava que meus delírios estavam tomando outras formas, que estava direcionando-os para algo mais assertivo. Mas é um fato que, relendo alguns posts, muita coisa não mudou. Talvez, certas mudaram para a pior. Não me reconheço mais. Não sei também ao certo o porquê disso, mas sinto que me perdi de mim mesma. Seja pela rotina que foi ficando cada vez mais difícil, seja pelos machucados que continuam latejando. Seja porque me sinto muito distante do ideal emocional que criei como subterfúgio e algo a se conquistar quando me sentia mal e precisava me ancorar. Mas, a verdade é minha navegação atracou em ares estranhos após tempestades que quase me naufragaram. Quando se é mais jovem, é mais fácil comemorar a sobrevivência, como um sinal de vitória acompanhado de frases de resiliência, tipo "nada me derruba", "eu aguento", e por aí vai. Quando se está numa fase da vida em que se busca estabilidade constante, a sobrevivência é só mais um dia do calendário. E fica cada vez mais nítido que não, não aguento mais.
Somos hoje completos estranhos, tão perto, mas tão distantes. Cada um se comunicando em línguas que não se conversam, como dois surdos, ou cegos, ou mudos. Confesso que às vezes não sei como ainda estou em pé, se até meu corpo denota minha exaustão. E não há qualquer sentimento de orgulho relacionado a esta confissão. Já que sinto que a qualquer momento vou adoecer, como uma sombra que paira sob um lago já sem peixes trazendo à tona o presságio da escuridão. Gosto de pensar que algo muito simples, como assistir Vikings, estava me dando alguma inspiração. Mesmo sabendo que minha sugestão poderia não agradá-lo, afinal, como se identificar com esses brancos safados que queriam colonizar o mundo? Apesar de que outros brancos safados colonizaram o mundo e assim que o mundo é, uma grande briga por quem coloniza mais enquanto outros morrem de fome. Ao começar a ver a série notei algo interessante nesses vikings, que é a ausência do medo perante à morte. Enquanto fomos criados num mundo de tradição cristão, em que o temer é constante, seja de deus ou do homem, é realmente acalantador. Gostaria de encarar este momento que todos vivemos dessa forma, mas a real é que temo, temo muito a doença e a morte, especialmente daqueles que jurei cuidar. E você, é um deles. Tenho falhado, talvez, nunca tenha cuidado de verdade, como você mesmo disse. Mas, lembro bem, de vários momentos que você nunca deixou ser cuidado de fato. E que é muito difícil cuidar de alguém que não valoriza isso. Fiquei relapsa, amargurada, como você mesmo disse. Fiquei o pior que eu mesma poderia me imaginar. Eu tendo a me culpar por isso, como se fosse um carma que carrego de saber que nunca vou ser amada, mesmo você me dizendo o contrário. E diz que o culpo. Fico pensando que não somos tão diferentes do cristãos tementes e hipócritas, seja do século VII, seja de agora. Confesso que tenho te tratado de uma forma que eu jamais gostaria de ser tratada, mas ainda assim, sou eu tentando me defender. Porque sinto que isso é uma constante, que se eu não me defender, vou cair de vez e vou me tornar de vez algo que nunca desejei e me nego de todas as formas possíveis a aderir: a submissão. Pra você pode ser exagero, histeria, afinal, já se perguntou quantas vezes você chamou ou consentiu uma mulher de histérica? Será que minhas inseguranças não têm um fruto real a não ser o mundo imaginário e perdido da minha mente? Será que minhas reclamações são tão distantes da realidade assim? Será que eu não mereço ser bem cuidada e que assim também vou voltar a cuidar? São tantas questões que não cabem mais aqui.
Tenho uma ferida na minha mão, que está ardendo e sensível ao toque. Sinto meu coração da mesma forma. E assim como qualquer aproximação faz a ferida doer e repelir o que lhe é estranho, sinto que meu condicionamento é este. Não posso dar o braço a torcer, porque você vai fazer de novo. E não há nada neste mundo, nenhum cosmético ou medicamento, que vai limpar sua visão. Assim como tendo a desconfiar, você tende a me desacreditar. E não há mundo possível para dois humanos assim viverem em conjunto.
Penso que o que une as pessoas é o sentimento de coletividade e de reciprocidade, e isso envolve diálogo, sincero e aberto, envolve querer fazer as coisas fluírem. Envolve se doar. E sinto que perdemos, ou talvez nunca tivemos concretamente por muito tempo, isso. Nossos sonhos se desencontraram, nossos abraços perderam o efeito reparador, porque a fala verborrágica, contraditória e errática soa mais alta. Os sorrisos selaram-se em amargor de lábios rachados. A voz nem soa mais como próxima à música. Assim como nossos corpos permanecem frios e nossas vontades desconexas. Tento entender onde errei e vou continuar tentando, não sob a exaustiva tentativa de racionalizar tudo, mas sob o espectro de que preciso melhorar. Mas não vou, nunca mais, ficar me culpando por um fim inevitável e cravado por duas pessoas.
É preciso saber a hora de ir embora, ainda mais quando a hora de se calar paralisou os ponteiros. Não acredito num futuro promissor para nós. Não posso me iludir mais, porque preciso ter os pés nos chãos e focar na luta diária que me é imposta. Gostaria que fosse diferente, mas ai eu estaria me iludindo novamente. A realidade agora é dura, feia, isoladora e as chances de liberdade parecem distantes. Mas, isso tudo me faz pensar no que é liberdade? Mais vale estar confinado num lar repleto de amor ou solto nas ruas esvaziadas pelas nossas escolhas de vida?
Me sinto pequena e sozinha. E se meu barco precisa navegar, que seja para ilhas mais afáveis ou para permanecer e criar raízes. Com você, ou não.

terça-feira, 30 de abril de 2019

Oração do perdão

Costumo odiar coisas que se chamam "oração", mas vou me perdoar por essa também.

“Que eu perdoe meus pais por terem sido insuficientes, exagerados, negligentes ou até desprezíveis.
Que eu me perdoe por ser insuficiente com os outros.
Que eu me perdoe por resistir a receber o amor.
Que eu me perdoe por não acolher meus enganos e erros.
Que eu perdoe a mim mesmo por não ter a beleza, o sucesso, a felicidade e a vida perfeita que eu inventei que seriam essenciais.
Que eu perdoe minha cegueira para com aquilo que me deixa pleno.
Que eu me perdoe tomar posições tão radicais sobre a vida e perder a conexão com as pessoas em favor de ideias.
Que eu perdoe os outros por desapontar as expectativas que criei sobre eles.
Que eu me perdoe por as vezes desistir antes do que seria preciso ou por insistir no que já deveria ter abandonado.
Que eu perdoe os outros por se deterem em dizer qual deveria ser o bom jeito de viver.
Que eu perdoe a mim por me deter em eventos, situações, explicações e desculpas que só me desconectam daquilo que é essencial.
Que eu me perdoe por colocar a perder meus dias ficando distraído no que me empobrece internamente.
Que eu perdoe o meu passado por tudo aquilo que faltou ou sobrou e me sobrecarregou.
Que eu perdoe os outros por não perceberem como me sinto sozinho ou incompreendido mesmo quando estou rodeado de pessoas.
Que eu me perdoe por querer os outros para mim e não para a felicidade deles mesmos.
Que eu perdoe as pessoas que amo porque irão morrer antes do que eu desejaria mesmo sendo admiráveis, boas, honestas ou inspiradoras.
Que eu me perdoe por as vezes permanecer com pessoas e lugares que me fazem mal.
Que eu me perdoe por não conseguir perceber o amor que me cerca em pequenos gestos que chegam até mim.
Que eu me perdoe por tentar sufocar minhas emoções mais honestas com uma montanha de racionalidade desnecessária.
Que eu perdoe os outros por não conseguirem me escutar com qualidade e presença reais.
Que eu me perdoe por agir de um jeito exagerado e desproporcional diante de pequenos contratempos do dia-a-dia.
Que eu perdoe os outros por me interromperem quando falo para falarem sobre si mesmos.
Que eu me perdoe por chorar menos do que mereço.
Que eu perdoe as pessoas por serem tão frágeis, falíveis, contraditórias e até perversas.
Que eu perdoe a mim mesmo por ser assim também.
Que eu me perdoe por não me render aos pequenos milagres silenciosos do cotidiano.
Que eu me perdoe por ser muito duro comigo mesmo.
Que eu me perdoe por ter um insight revitalizante e logo em seguida começar a me justificar e relutar contra ele.
Que eu me perdoe por achar que só me perdoar não adianta nada e que seria preciso agir.
Que eu me perdoe por ainda não conseguir seguir em frente e perdoar como eu poderia.
Que esse perdão antes de mais nada cure minha dor interior e o sentimento de pequenez que me toma quando olho para a vida como um todo.”

terça-feira, 16 de abril de 2019

Vida breve

Não tem nada de romântico em assumir o título. Não é motivo pra enaltecer a juventude desregrada. A vida é breve porque ela não vale nada. A vida se resume a número. Mortos são estatísticas. E tentam nos fazer engolir que a vida é valiosa. Adoecer, morrer repentinamente, ir morrendo aos poucos ou estar morto por dentro. Pode acontecer a qualquer momento, pode acontecer com qualquer um. A vida é breve porque ao mesmo tempo que é valorosa, algumas vidas não valem nada. Pra ninguém, pra nada. Eu não valho nada. Hoje vi gente morrer, amanhã ou outro dia pode ser alguém que amo, pode ser comigo. Existe certeza da morte mais do que se tem da vida, mas o que nos resta é enganar a morte ou nos enganar sobre a morte? O que nos mantêm vivos? O que me faz sentir viva? Não tem nada a ver a morte, mas as vezes pode ser algo como renascer todo dia. Talvez dormir seja um pressuposto à morte. Dormir e não acordar mais. A diferença é que não resta consciência e isso não é problema. Para quem está morto.

quinta-feira, 21 de março de 2019

Existe algum lugar?

Existe algum lugar em que eu me encaixe sem que eu me sufoque? Que me faça querer fugir ou gritar ou espernear ou correr pra um abraço? Daqueles que acalentam suficientemente o ego e afagam as dores? Onde eu me encontro nesse abraço? Posso eu abraçar a mim mesma? Posso algum dia parar de me sentir mal por nunca conseguir ser suficiente? Posso realmente ser capaz, sozinha, de revolucionar os paradigmas da minha própria percepção de vida? Quem eu sou que não me encontro de mim mesma? Será que a pergunta deveria ser: o que eu quero? Ou quem quero ser? Ou o que preciso fazer para me sentir melhor na minha própria pele?
Sinto que me falta combustível, mas mais do que isso me falta um lampejo certeiro. Sinto que não quero sentir mais nada porque estou cansada. Quero ser livre.

terça-feira, 12 de março de 2019

Trabalho


Vivo um momento de intensa inadequação. No ambiente de trabalho, em casa e nas perspectivas de vida. Não encaixo. Talvez por ser grande demais e não caber, mas a sociedade me faz acreditar - com seu jogo maléfico de poder - que é porque sou vazia. Tenho pouco valor, logo, não sirvo de demanda. Porque questiono demais, porque não tenho foco somente na minha função e não tento melhorar para ser uma funcionária melhor. Tento melhorar como pessoa, ser maior e não suficiente para o trabalho, ou grande para ser destaque aos olhos do patrão. O trabalho não deveria moldar a vida. A vida deveria moldar o trabalho. Quanta coisa a gente deixa de fazer porque não cabe ao trabalho? E essas coisas viram hobby e quem consegue manter uma atividade que gosta sem ganhar dinheiro com isso é porque tem uma condição de vida melhor do que a maioria da população, porque tem o privilégio do tempo e do dinheiro. Ter privilégio não significa que alguém é menor porque tem, mas deveria entender que todo mundo também poderia ter. Poderia ter tempo e dinheiro para fazer coisas que gosta para não adoecer e, indo mais além, não deveria viver de forma precarizada enquanto favorece e enriquece bolsos de outrem que não sofrem nada dessa realidade, que atuam para manutenção dessa desigualdade e que não querem que todos tenham os mesmos privilégios. Fazer reforma, melhorar o poder de compra, se contentar com pouco ao mesmo tempo que alguns não tem nada é suficiente?
Esse mundo é doente.

sábado, 12 de janeiro de 2019

Iludida

Só uma iludida pra continuar acreditando no amor ainda. Nesses amores doces, com gosto de fruta mordida. Continuar acreditando que é possível ser feliz ao lado de alguém. Nesse mundo doente e egoísta que gera pessoas doentes e egoístas. Só uma iludida pra continuar acreditando que existe alguém legal, leal. Que vai te colocar em primeiro lugar porque sabe que você vai tratá-lo da mesma forma. Alguém que cuide por amor, de fato. Que te prestigie e te queira bem, mais do que isso: queira te fazer bem. E faça, de fato. Alguém que faça mais do que planos, mas que queira colocá-los em prática. É ilusão acreditar no amor? Querer ser feliz e maior do lado de alguém. Sentir-se bem, afim de colocar a mão na massa e construir. Parece que tudo é pecado, nesse mundo doente e egoísta. Parece que não vivo pra esse mundo, mas é porque cansei de mim mesma.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Distância

Fiquei tanto tempo esperando pra amar uma pessoa que estava do outro lado do mundo de perto, que me perdi entre sonhos e ilusões, imaginando uma vida na qual nunca fui capaz de imaginar e me agarrei isso. Tive meu coração partido assim que as desilusões vieram à tona, mas muita coisa não mudou dentro de mim. Com o coração em recuperação me deparei com um novo amor. Perto, aconchegante e desafiante, a melhor pessoa que eu poderia ter encontrado. Com todos os seus defeitos ela me mostra que é humana, e assim a amo, mas me sinto presa às minhas próprias expectativas, por vezes incoerentes e individualistas, ainda que baseada na proposta de vida conjunta que me é ofertada, buscando fincar meus pés no chão, mesmo quando eles queimam em brasas. Assim vou caminhando sob à ideia de um propósito - construído em conjunto -, mas as vezes me deparando com curvas perigosas, becos sem saída e precipícios que levam ao abismo. Minha mente delira, obscurecida pelo medo de fracassar e do abandono latente. Não sei mais o que pensar, para onde fugir e nem a resposta de uma questão clara: agora que posso viver esse amor, na sua melhor condição e por alguém que vale a pena, porquê tenho que me distanciar?

domingo, 23 de dezembro de 2018

Trégua

Existe espaço no tempo para recuperar o fôlego perdido? Pode-se dizer que sim, mas e se o pulmão já está estragado devido aos maus tratos recebidos ao longo do tempo? Cabe um lapso capaz de reverter isso ou estamos todos perdidos? Reféns de uma ilusão relacionada a um tempo que não volta ou um futuro que não chega. A vida é breve, tão breve que nos perdemos com relação ao nosso tempo e estragamos o tempo que nos resta sem notar que a vida passa e não é percebida. Daí acabou o tempo.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Viagem

Tenho receio de levianidade, assumo. Presto atenção ao que não me pertence e sofro porque não sei separar. Não entendo meus limites, pois não gosto de me cercear. Mas tento antecipar e na espera me enclausuro. Na claustrofobia cerebral, divago e permaneço, sem saber onde vou parar. Surtos de lá pra cá, extremos acolá. E uma vontade imensa de fugir sob a esperança de me resgatar. Sem buscas por um porto seguro, a ânsia é por desprendimento. Sentir na pele o vento bater no rosto, devagar. Como uma nova brisa que fornece alegria e contagia. Inocência minha, mas felizes são aqueles que não esperam demais e não mantêm suas mentes presas ao mesmo lugar. O pensamento pode ser ecumênico, basta manter-se livre.

Dois tempos e um quebrado

Tenho dificuldades para dormir, 
Porque temo perder tempo,
E não vivo, apenas resisto,
Porque vago como um zumbi, 
Perdida em meus pensamentos. 
Perdida nos meus desejos. 

Queria poder me perder no mundo.
Fechar os olhos e me transportar,
Vagar por entre as ruas e sorrisos,
Explorar e sentir novos lugares,
Sob a esperança de reconciliação,
Com o tempo, com o mundo e comigo.

Queria entender o que não é meu,
E ao mesmo tempo me tranquilizar,
Pois nada me pertence, nem o tempo,
Nem meus pensamentos.

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Previsível

Parece que quando alguém acha que nos conhece ela passa a agir, com o passar do tempo, como se você sempre fosse estar ali, para servi-la, para ser companhia, para ajudá-la, para apoiá-la, para suportá-la em sua impassível individualidade - cega e, provavelmente, despretensiosa -. Você se torna, para a pessoa, aquilo que mais rejeita: um ser previsível. Engraçado, porque sinto que as pessoas sempre me surpreendem, e, portanto, acho que cabe não subestimá-las. Ninguém gosta de ser subestimado. A gente às vezes cria uma imagem de nós mesmos, com cuidado ou, na maioria das vezes, com arrogância, que dói demais quando nos tratam como menos. Não sei se o que falta é humildade, mas creio que além disso é preciso consistência. É difícil tentar agir de determinada forma - mudando um comportamento - quando se é tratado por baixo. Nossas defesas são construídas social e moralmente e, com base nisso: individualmente. Vamos criando estratégias mentais de fácil superação para estar em cima de qualquer situação - nem que seja superficial, é uma defesa - e é mais fácil seguir em frente do que realmente entender o que está acontecendo. Me sinto vítima das minhas tentativas de autodefesa, e nem por isso me machuco menos. Me doou demais, espero demais e me iludo demais. Penso tanto que chego à exaustão e, quase sempre, não encontro soluções. Sinto que continuo sozinha. Previsível até pra mim.

Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. E é a esse território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.
Zygmunt Bauman

Minha liquidez


Eu tenho essa mania de ser muito dura comigo mesma, coisa fadada há muito tempo. Mas, como sou humana - cheia de falhas e incoerências -, é natural dizer que não faço por onde, nem quando minha consciência já pesa antes de eu agir. Impulsiva demais pra dar tempo ao tempo e respeitar o tempo do outro. Eu não respeito nem o meu tempo, eu nem sei reconhecer o meu tempo. Porém é um aprendizado mais que requisitado, se tornou necessário. Se é difícil mudar um comportamento - como dizem - creio e noto que é mais difícil mudar um pensamento, que começa como um lapso ou através de um gatilho acionado, e se transforma numa parte de você, ou no que você passou a vida toda acreditando ser. Não sei porquê me perco tanto, talvez eu não confie em mim mesma. Talvez eu não sei lidar comigo mesma em alguns momentos, e assim, não sei lidar com o outro, ou com os outros. Me sinto cansada de bater sempre na mesma tecla, que cada vez mais se transforma num grande muro, onde bato a cabeça toda vez que eu não sei pra onde ir. E assim vem a vontade de correr. Fugir. Pra bem longe, mas nem sei exatamente do quê. Talvez, toda vez que o impulso desse tipo de pensamento surge, eu esteja querendo fugir de mim. Queria ser coberta, não numa bolha, mas demasiadamente segura. Isso deve ser uma ilusão.

O que aprendemos com a amarga experiência é que essa situação de ter sido abandonado à própria sorte, sem ter com quem contar quando necessário, quem nos console e nos dê a mão, é terrível e assustadora. Mas nunca se está mais só e abandonado do que quando se luta para ter a certeza de que agora existe de fato alguém com quem se pode contar, amanhã e depois, para fazer tudo isso se - quando - a roda da fortuna começar a girar em outra direção.  
Zygmunt Bauman

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Mulher coletiva

Assim foi como ele me definiu: mulher coletiva. Mais do que o termo pareça oferecer, me defino alguém que necessita de práxis coletiva, apesar de odiar certas pessoas dentro dos espaços coletivos que são extremamente individualistas. Odeio individualismo, apesar de que também posso cometer esse erro. Acho que no fim é um exercício básico pra ser sempre colocado em prática: não ser individualista. Essa conversa aconteceu depois do primeiro turno dessas eleições, eu me sentia mais perdida que nunca e me embebedei de várias doses de depressão. De lá pra cá me envolvi em algumas atividades e devo ter conhecido mais de cinquenta pessoas nas últimas semanas. Pessoas bacanas, camaradas, que pensam parecido, que tem um senso de justiça social em comum. Absorvo, fundo e sem medo. Parece que estou me encontrando em um lugar. Parece que meu tempo de vida não será à toa conforme o que acredito. Parece que tenho muito trabalho a fazer e muito a aprender.

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Su gracia

En toda la inmensidad de tu ser, siento que ya no me arriesgo, temiendo ser audaz y teniendo cuidado de no parecer acomodada. El amor me parece cómodo, confortable, como un abrazo afable y acalentador o como un beso caliente y que te transporta al más sublime universo. La idealización no es algo que me atrae más, digo lo que siento y no tiene nada más sincero que eso. Quería darte el mundo, yo diría, tiempos atrás, pero me has enseñado, de alguna manera, que el mundo pertenece a todos y dividirlo igualitariamente es más justo y plausible. Quería que el mundo viera el poder de tu sonrisa y que ese gesto fuese capaz de tranquilizar a esa sociedad, se burlaba y desgraciada, pero yo confieso que prefiero tener dosis homeopáticas de esa sensación sólo para mí, porque soy egoísta en toda la ignorancia y insegurancia de mi ser. Nací mujer y así moriré, me convertí mujer y así no me conformé, con el ser social al cual fui calificada y usurpada mi paz fue atravesada. Me sigo perdiendo y encontrándome en tus brazos, entendiéndome y cambiando en nuestras conversaciones y ambicionando un futuro más honesto para nosotros, para todos. Su amor me hace mejor. Gracias.


Imaculável ego

Que traiçoeira seria essa vida que coloca à prova a nossa existência com base apenas na realização através da imagem do outro. Existem tantas formas de viver e se relacionar, mas a nossa sociedade está adoecida com tanta distorção e confusão, que é capaz somente de frisar a sobrevivência por meio da inveja, da competição e da manutenção e enriquecimento da vaidade. E haja combustível pra alimentar tanta vaidade. Combustível esse que depende da alienação, abnegação e submissão de outrem. Onde o outro continua sendo visto como mercadoria, mesmo para aqueles que se dizem contra esse sistema. Qual foi o ponto perdido para que o egocentrismo dominasse as nossas relações? Onde nos encontramos quando achamos que o mundo nos deve o que merecemos? Quando estaremos completamente satisfeitos ou a satisfação é um conceito irreal? Não dá pra ser coletivo quando não sabemos dividir. Não dá pra ser justo quando não temos uma visão realista de nós mesmos. Mas até que ponto a mente perverte ou quer se deixar enganar? A quem realmente enganamos?